historia que eu li (parte 2)
A D. Gertrudes virando-se de repente espetou a agulha de crochet na nádega do Sr. Joaquim, que se desequilibrou e deixou cair a bengala.Ao baixar-se para apanhá-la, e como toda a gente se deslocava na direcção de Carla Vanessa que de dedo espetado continuava a gritar, o fio de renda que saía do naperon que D. Gertrudes tinha na mão enrolou-se no pescoço do Sr. Joaquim. Sentindo que sufocava e ia morrer ali estrangulado, o Sr. Joaquim agarrou uma perna da D. Sara, solteirona e beata, que só permitia tais confianças ao Padre Rogério. - Velho tarado, na me apalpes as pernas, começou D. Sara a gritar ao mesmo tempo que lhe dava com o terço na cabeça com tal força que este se partiu. As pérolas saltaram para todo o lado. Uma entrou na boca ainda aberta de Carla Vanessa e outra na narina esquerda do Sr. Joaquim.O fio de renda, enrolado e dobrado entre as pernas de toda aquela gente, esticou de tal modo que o portão do quintal de D. Gertrudes saltou das dobradiças e qual torpedo voou e atingiu em cheio por trás a D. Rosalinda, que de pano de limpar a loiça nas mãos chegava ao local da confusão. D. Rosalinda, mulher alta e encorpada, dona da única firma de mudanças da aldeia, e que sozinha carregava um frigorifico, caiu com a força do impacto.Um a um , como se fossem peças de um daqueles dominós chineses, os habitantes de Coelheiras foram caindo ao chão.
De repente fez-se silêncio…De pé, olhando-se, ficaram Carla Vanessa de dedo esticado com uma pérola do terço e um L entalados nas amígdalas, e Joel, petrificado, aterrorizado com a enormidade da tragédia que tinha desencadeado.Joel viu que aquela era a sua oportunidade de sair dali. Tinha de escapar antes que os derrubados habitantes de Coelheiras se recompusessem.Entrou no automóvel de semi-luxo e deixando atrás de si um rasto de caixas de “prestativos” e os ecos do seu único e mais recente êxito: “O tamanho não interessa”, fugiu…
Joel acelerou o carro. Transpirava abundantemente.Os habitantes de Coelheiras começavam lentamente a levantar-se. Carla Vanessa continuava de dedo esticado apontado para o carro de semi-luxo que se afastava.
- Que merda de sorte, logo hoje. Pensou Joel olhando pelo espelho retrovisor.Na realidade, Joel, chamava-se Ezequiel Sousa. Tinha sido emigrante no Luxemburgo, onde ganhara fama como cantor pimba junto à comunidade portuguesa ali residente, e amealhara dinheiro suficiente, não só para abrir uma Patisserie fina em Portugal, como também para promover a sua carreira artística. Joel tinha participado em vários programas de televisão matinais que Carla Vanessa via enquanto fazia a lida da casa. Carla Vanessa ao ver à sua frente Joel, com o seu 1.82 de altura, cabelo aos caracóis impecavelmente penteado e físico cuidado, ficou irremediável e perdidamente apaixonada.
A noite estava quente. Coelheiras em peso e vestida a rigor estava na praça do pelourinho frente ao cemitério.O presidente da junta, o Sr. José, apresentou o cantor da noite. Joel, nervoso, entrou em palco. Quando as luzes incidiram sobre ele os aplausos da multidão cessaram de imediato. Uma voz ouviu-se nítida e clara: - É o vendedor de prestativos!Ao mesmo tempo ouviu-se um barulho de cascos de cavalo que se aproximava. Carla Vanessa, cabelos ao vento, corda na mão, qual cowgirl de Hollywood, abriu caminho entre a multidão que, em pânico, abria alas para não ser esmagada por cavalo e cavaleira.Num arremesso certeiro lançou a corda. Joel caiu. Parando o cavalo junto ao palco puxou a corda e arrastou Joel, microfone, suporte de microfone e fios para cima da montaria. Com o amor da sua vida ao colo partiu a galope. O suporte do microfone ficara preso entre as pernas de Joel e apertava-lhe os testículos provocando-lhe dores horríveis. Os fios foram esticando, esticando... E toda a parafrenália que estava no palco desabou ao mesmo tempo. Os projectores caíram, incendiando-se. Uma fagulha saltou e atingiu o fogo de artifício que estava guardado no cemitério junto à campa do Sr. Elias. Carla Vanessa sentia-se uma heroína de um romance. E foi sob uma chuva de fogo de artifício, Coelheiras em chamas e Joel a gritar: Pára. Pára, que me capas, que desapareceu na noite. Só três dias depois a GNR de Coelheiras encontrou Carla Vanessa e Joel. D. Gertrudes tinha apresentado queixa contra ele pelo rapto da filha. Carla Vanessa estava num canto do palheiro abandonado para onde tinha levado Joel, semi despida e lavada em lágrimas. Joel estava deitado num monte de palha, nu, desidratado e com os testículos completamente negros.Um mês depois na igreja de Coelheiras, ainda com a fachada chamuscada, Carla Vanessa e Joel contraíram matrimónio. O casal partiu logo após o casamento para Lisboa.A verdade do que se passou naqueles três dias que mudaram a vida de Joel é um segredo do casal Sousa.
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