D. Gertrudes estava sentada à porta de casa, à conversa com as vizinhas.
- Olha, vem ali a minha Carla Vanessa. A minha Carla Vanessa nunca me deu ralações nenhumas. Disse a D. Gertrudes, como dizia, sempre que falava da filha.
A D. Maria e a D. Conceição olharam uma para a outra e abanaram a cabeça.Em Coelheiras, ninguém esqueceria o dia do nascimento de Carla. D. Gertrudes tinha uma nespereira no quintal de casa, motivo de atritos constantes entre ela e a vizinha do lado, a D. Lurdes.D. Lurdes adorava as suas hortênsias. Os ramos da nespereira que caíam para o seu lado do quintal, tapavam o sol e impediam que as hortênsias crescessem. As nêsperas podres no Verão, e as folhas e bocados de ramos secos que caíam no Outono, sujavam os canteiros de que D. Lurdes tanto se orgulhava.Num dia quente de Verão não esteve com meias medidas e cortou os ramos que cresciam para o seu lado do quintal. A D. Gertrudes, grávida de oito meses, estava nesse preciso momento a sacudir os tapetes do quarto à janela. Quando viu a vizinha de machado na mão a cortar ramos da nespereira, pegou na coisa que estava mais à mão, o bacio que usara durante a noite, e zás, mandou bacio e urina para cima da vizinha.D. Lurdes furibunda e encharcada com a urina da noite de D. Gertrudes, avançou pelo quintal da outra adentro, e desatou a dar machadadas na árvore da discórdia.D. Gertrudes quando saía a correr de casa para se atirar à vizinha, tropeçou na mangueira de regar a nespereira, caiu e rebentaram-se-lhe as águas.Sem se aperceber sequer que estava a verter águas, levantou-se, e, agarrou a vizinha pelos cabelos para a afastar da árvore.Quem morava na rua, ao aperceber-se da confusão, tentou acudir e separar as duas mulheres. Os gritos eram tantos e a confusão tamanha, que, ninguém se apercebeu quando a D. Gertrudes começou a gritar:- Ai Jesus, que vou parir!!Carla Vanessa caiu desamparada neste mundo entre nêsperas podres, metros de mangueira e uma floresta de pés e pernas.O Sr. Jacinto que tinha deixado cair a bengala, ao baixar-se para apanhá-la foi quem primeiro viu Carla Vanessa e a segurou.Ninguém sabe se foi por ter batido com a cabeça no chão quando nasceu, se pela gritaria que lhe entrou de rompante nos ouvidos, se por ter pensado que o Sr. Jacinto era a mãe, Carla Vanessa cresceu com graves problemas de identidade.
“O tamanho não interessa
O que é preciso é não ter pressa
E apalpá-las com jeitinho.
Elas gostam de peixinha
Nenhuma se queixa da minha
Dou-a com todo o carinho….”
- C’um carago. Foda-se. Exclamou Joel, interrompendo a letra que cantarolava, o seu mais recente e único êxito, extraído do CD: “O tamanho não interessa”.Travou a fundo o carro de semi-luxo, o porta-luvas abriu-se e as dezenas de caixas de preservativos que Joel, homem previdente e hipocondríaco, sempre levava consigo, cobriram o chão do carro.- Esta gaja não vê um boi? Pensou, saindo do carro para verificar se a figura especada em frente ao carro, olhando para ele, não tinha sofrido nenhum dano.
- Aleijastes-te? Perguntou.Carla Vanessa não respondeu. Olhava-o fixamente, a boca aberta de espanto.- Ganda merda, tal tá a porra. Tá em choque. Dou umas lambadas à gaja? Pensou Joel.Tinha já a mão levantada para tirar com umas bofetadas bem dadas Carla Vanessa do estado de choque, quando ouviu a voz de D. Gertrudes:- Carla Vanessa, filha. Tu estás bem filha? Ele atropelou-te?
Um fio de linha de renda saía do naperon que D. Gertrudes segurava numa mão, e ia até ao rolo, preso na porta do quintal.D. Gertrudes de agulha de crochet em punho virou-se para Joel:- Vem práqui fazer ralles em velocidades malucas e atropela-me a minha filha.
Joel não sabia que responder, o carro estava rodeado de pessoas que o olhavam acusadoramente.
A D. Maria que tinha agarrado numa das caixas espalhadas no banco e chão do automóvel de semi-luxo, disse, levantando bem alto a caixa de preservativos tamanho S com sabor a menta:- É um vendedor de “prestativos”!!Joel ficou paralisado.Carla Vanessa continuava em choque os olhos colados nele.Dezenas de pessoas fixavam-no acusadoramente.- Um vendedor de “prestativos” atropelou a Carla Vanessa, contavam a quem chegava.E nas potentes colunas do automóvel de semi-luxo a música continuava a tocar:
“O tamanho não interessa
O que é preciso é não ter pressa
E apalpá-las com jeitinho.
Elas gostam de peixinha
Nenhuma se queixa da minha
Dou-a com todo o carinho….”
Ninguém reparou quando Carla Vanessa começou a inspirar, a inspirar, a inspirar… Inspirou tanto ar que o soutien copa 38 rebentou. Ao mesmo tempo um grito gutural saíu-lhe da boca aberta de espanto: JOELLLLLLLLLLLL. Maria assustada deixou cair a caixa de “prestativos”. O Pedro, que tinha vergonha de os comprar na única farmácia da aldeia, aproveitou, e meteu ao bolso umas quantas caixas.